Discurso de um Homem de Deus

08/05/2012 21:01

 

 

Um discurso do Archbishop Eliud Wabukala;

 

presidente da Fellowship of Confessing Anglicans.

Louvado seja o Senhor!

É com imensa alegria que vos saúdo como Presidente da Fellowhip of Confessing Anglicans, no nome precioso de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, pelo qual somos concidadãos dos santos e membros da família de Deus. Acredito que nosso tempo aqui esta noite será um momento chave no desdobramento do propósito de Deus para nossa amada Comunhão Anglicana, e uma grande motivação para líderes vindos de cerca de trinta nações diferentes. Somos, de fato, uma Comunhão Global para o Século XXI. Reunimo-nos guiados pelo Senhor, seguindo sua orientação para a superação dos desafios do nosso tempo e a crise persistente que aflige nossa Comunhão. Quero estruturar meu discurso com algumas afirmações das Escrituras, no Profeta Miquéias, que creio ser a palavra determinada por Deus para nós neste momento.

Miquéias profetizou durante um período de crise na História do povo de Deus, a segunda metade do Século VIII a.C, durante o qual o povo do Reino do Norte, Israel, perdeu sua identidade, e as pessoas do Reino do Sul, Judá, quase sofreram o mesmo destino.

Em Miquéias 6:8 lemos, “Ele te declarou, ó homem, o que é bom; e que é que o SENHOR pede de ti, senão que pratiques a justiça, e ames e andes humildemente com o teu Deus?

O que o Senhor requer de você?

Esta é a maior questão diante de nós esta semana. Ela exige que tenhamos uma compreensão clara e que estejamos dispostos a abandonar as ilusões confortáveis. Também, e mais importante, ela chama-nos novamente para o que Deus diz. Miquéias fala que “Ele te declarou, ó homem, o que é bom”. Descobrir a vontade de Deus, o que Deus deseja, não depende de nossa habilidade ou imaginação. Ele não brinca conosco. Ele fala por meio das Escrituras. A questão é se vamos ou não permitir que o Espírito Santo aplique essa Palavra aos nossos corações, e se em seguida, vamos segui-la.

O que o Senhor requer? Primeiro é preciso que nos aproximemos da situação que estamos enfrentando com uma mente bíblica. Qualquer um de nós pode olhar para esta crise e ser tentado a supor que podemos voltar ao tempo quando a vida em nossa Comunhão corria sobre linhas previsíveis e familiares. Mas isso é ilusão. A fé não é sinônima de escapismo; ela enfrenta as coisas como são, confiando que Deus irá agir. A crise que enfrentamos é também uma oportunidade. Sua origem pode ser rastreada ao longo dos anos. Os desafios sem precedentes para a identidade anglicana, lançados sobre nós pela interpretação revisionista da Escritura, nos tem dado, pela misericórdia de Deus, a oportunidade histórica de redescobrir a reformada catolicidade da nossa Comunhão, e de um modo tão profundo como ocorreu com os reformadores ingleses do Século XVI.

Certos da providência de Deus, podemos confiar que no Seu tempo, Deus endireitará aquilo que está errado, mas Ele nos conduz em seu propósito, e se desejamos compreender as implicações da crise para a recuperação e renovação da identidade anglicana, é preciso, primeiro, estar claro que tipo de crise ela é.

Não podemos tratar isso como uma crise meramente institucional. A desagregação das estruturas de governo da Comunhão Anglicana é sintoma de um problema mais profundo. Atualmente sabemos que os instrumentos de unidade, como o Encontro dos Primazes, o Conselho Consultivo Anglicano, ou mesmo a Conferência de Lambeth, já não vinham inspirando a confiança geral…

Quando o Global South Movement Primates se reuniu na China, em Setembro passado, se sentiu obrigado a declarar em um comunicado que “os instrumentos de unidade da Comunhão Anglicana tornaram-se disfuncionais e já não têm autoridade eclesiástica e moral para nos manter unidos”.

Se estivéssemos diante de um problema institucional era de se esperar que o investimento pesado que se fez no Pacto Anglicano trouxesse uma solução. Porém, com a rejeição do Pacto, mesmo na própria Igreja nacional da Inglaterra, é obvio que os recursos tradicionais para a crise falharam, e que os problemas que enfrentamos estão profundamente arraigados para que possam ser tratados com estratégias meramente gerenciais e organizacionais. Como primazes da Fellowship of Confessing Anglicans, admitimos em nosso comunicado de Novembro de 2010, que o Pacto Anglicano foi “manifestadamente falho”. Tornou-se claro que era pouco mais que palavras formais que disfarçavam o conflito, ao invés de resolvê-lo. O coração da crise que enfrentamos não é institucional, mas espiritual.

Miquéias pode perguntar “o que Deus requer?”, na confiança de que o desejo do Senhor já fora revelado. Todavia, a Conferencia de Lamberth de 1998 mostrou que uma minoria determinada estava disposta a torcer a Palavra de Deus, a fim de adequá-la as ideias da moda em seu contexto cultural, e que não estava disposta a se solidarizar com o pensamento claro dos bispos da Comunhão, quando sua opinião foi colocada a prova.

A história subsequente da nossa Comunhão se desenrola a partir deste ponto. Alguns setores da Comunhão Anglicana seguiram ecoando as palavras da Serpente: “O que Deus realmente disse…?”. E sua estratégia tem sido dar continuidade a este diálogo interminável, a fim de desgastar qualquer resistência, enquanto em todo o tempo busca seu objetivo autodeterminado de inclusão radical. Neste aspecto, eles foram muito ajudados pelos teólogos anglicanos que afirmam que nossa identidade encontra-se naquilo que chamam de “a gramática da obediência”. Eles pretendem alterar o sentido claro das Escrituras, e escavar “verdades mais profundas” da Revelação, que estariam ocultas sob as palavras do Livro. Assim, não é surpresa que a Escritura esteja sendo convenientemente torcida de todos os tipos e formas diante de nós, e que os chamados ‘evangelhos verdadeiros’ possam contradizer o sentido literal das palavras da Bíblia.

Embora nunca devamos fugir ao duro trabalho de expor as Escrituras, também não podemos ignorar o claro ensino do texto inspirado. Este texto, que o Arcebisbo Cranmer estava tão interessado em disponibilizar no idioma inglês para todas as paróquias, e tem sido fundamental para a transformação cultural que o Evangelho levou a África e ao resto do mundo. A “gramática da obediência” é um cavalo de troia teológico para a desobediência. Tal acomodação para o falso ensino de instituições da Comunhão Anglicana tem tido um grave efeito.

Deixe-me ilustrar contrastando a nossa conferência de 2008, em Jerusalém, que lançou o movimento GAFCON, com a Conferência de Lamberth, que teve lugar pouco depois.

No espaço de uma semana, apesar dos muitos e variados contextos culturais, fomos capazes de elaborar e aprovar com alegria e muita festa uma declaração objetiva do que é a identidade anglicana, na forma da Declaração de Jerusalém. Regozijamo-nos, pois através do Espírito Santo, o Senhor nos deu tal unidade na verdade, e sabíamos que Ele nos estava pondo livres, com um testemunho claro e firme em Jesus Cristo, de um modo que simplesmente não seria possível por meio dos canais tradicionais.

Na Conferência de Lamberth, que muitos por motivo de consciência se sentiram impedidos de assistir, a história foi diferente. Muita conversa e mais conversa, mas nenhum pensamento em comum, e nenhuma tentativa de resolver o mérito da doutrina fundamental e das diferenças éticas quem têm sido tão destrutivas para a nossa unidade. Em Lamberth, houve nervos a flor da pele e pouco mais que conversa; em Jerusalém, corajosamente reafirmou-se a nossa confiança na fé que confessamos. Ali recuperamos nossa identidade genuinamente anglicana, e através da Declaração de Jerusalém estabelecemos um cenário coerente para nosso testemunho global no Século XXI.

Nós, juntamente com muitos outros fiéis anglicanos em todo o mundo, acreditamos que o fundamento doutrinário do Anglicanismo, que define nossa identidade essencial como anglicanos, é expressa nestas palavras: A doutrina da Igreja está fundamentada nas Escrituras e nos ensinamentos dos antigos Pais e dos Concílios da Igreja, conquanto sejam agradáveis ao ensino das Escrituras. Em particular, tal doutrina é encontrada nos 39 Artigos de Religião, no Livro de Oração Comum e no Ordinal. Temos a intenção de permanecer fiéis a esse padrão e apelamos a outros na Comunhão que retornem a ele”.

Nossa Conferencia em Jerusalém foi realmente uma experiência no topo da montanha, um tempo rico de comunhão no Espírito Santo, ensino inspirado e insights proféticos. Mas temos que descer do topo da montanha e não simplesmente descansar sobre a experiência, ou achar que de alguma forma já realizamos nosso trabalho. O que o Senhor requer? Ele exige, diz Miquéias, a nossa ação! Que ajamos com justiça e misericórdia, e não apenas ficar a escrever e refletir sobre as coisas. Deus nos deu uma identidade, temos de agir a partir dela; devemos ser fiéis a nós mesmos como o somos a Cristo crucificado, redimidos através da Cruz, onde Justiça e Misericórdia de Deus se encontram. Isto é o que significa agir com autenticidade. Não é uma questão de seguir nossos sonhos e sentimentos subjetivos, mas ser fiéis a quem ressuscitou dos mortos, para que possamos não viver para nós mesmos, mas para Aquele que morreu e ressuscitou por nós.

Viver desta forma está além das nossas capacidades humanas. Nas palavras da Coleta para o Domingo da Trindade XIX, do Livro de Oração Comum, oramos:

Porquanto sem Ti, não somos capazes de agradar a Ti, concedei misericordiosamente o Teu Espírito, para poderes dirigir e governar nossos corações”.

Isto para mim é uma verdade pessoal. Ao ser eleito como Presidente do conselho de primazes GAFCON/FCA em Abril do ano passado, afirmei o seguinte:

Reconheço que assumimos uma tarefa verdadeiramente monumental, mas servimos a Deus para quem nada, nem mesmo vencer a morte, é impossível”.

Devemos, então, agir em obediência ao que Deus exige, conhecendo nossa fraqueza, e na dependência contínua do poder do Espírito Santo. Esta foi uma realidade preciosa para alguns de nós durante o Reavivamento no Leste Africano, quando o Espírito de Deus renovou a Igreja, dando-lhe um caminhar humilde com Deus, convicção de pecados, sede da Palavra de Deus, um estilo de vida simples, e um insaciável desejo por evangelismo. São estas qualidades que precisamos para renovar nossa comunhão global à medida que avançamos unidos. Um poderoso movimento de renovação e transformação, isso é o que somos.

Desde 2008 temos atuado, talvez não tão rápida ou claramente como deveríamos, mas houve ação. De acordo com a Declaração de Jerusalém, os primazes do GAFCON promoveram a Igreja Anglicana na América do Norte (ACNA) como uma nova província e interromperam a comunhão com a Igreja Episcopal dos Estados Unidos (TEC) e com a Igreja Anglicana do Canadá. Apesar de violentamente perseguidos nos tribunais, e das perdas de recursos, templos, e propriedades que gerações anteriores haviam destinado à obra do Evangelho, é com grande alegria que vemos a ACNA é muito mais que um reduto para soldados feridos. É um órgão missionário dinâmico que cresce notavelmente através da plantação de igrejas.

Ano passado ficou claro que algumas providências deveriam ser estendidas também ao Reino Unido. Após quatro anos de discussão, em junho do ano passado foi formada a Missão Anglicana na Inglaterra, depois que altos líderes anglicanos não conseguiram encontrar uma forma de oferecer liderança ortodoxa aqueles que dela necessitavam no Reino Unido.

Durante esta semana iremos nos aplicar a próxima fase que o Senhor exige de nós. Espero que unidos como um conselho, sejamos levados à ação que moldará profundamente o futuro da Comunhão, contudo, assim como é cara para nós as grandes questões da teológia e do método, precisamos cuidar de não negligenciarmos o modo como tratamos uns aos outros, a fim de que haja consciência e integridade para com a identidade que reivindicamos.

Para agir com justiça e amar a misericórdia é necessário haver honestidade e justiça no trato uns com os outros, como um fim e não com um meio, nem se deixar infectar pelo cinismo e pragmatismo que possam surgir quando o poder e a influência estão em jogo. É verdade que somos um movimento profético, e Deus nos entregou algumas coisas bem duras que precisam ser ditas, mas a severidade deve impressionar ainda mais pela bondade e generosidade pelas quais somos conhecidos.

E tudo isso feito com humildade e oração, não nos colocando acima da Palavra, mas reconhecendo que é a Palavra de Deus que nos julga e examina. Devemos atentar ainda ao fato de que a Palavra, que é a Verdade de Deus para todas as culturas e todos os tempos, não é herança privilegiada de uma única cultura e tradição, de modo que tem o potencial de abrir novas perspectivas sobre as insondáveis riquezas de Cristo.

Para fazer aquilo que o Senhor exige é preciso ainda coragem. Todas estas coisas são necessárias para descobrirmos se a Comunhão Anglicana irá recuperar sua identidade bíblica. Os desafios são, certamente, monumentais e creio que podemos resumi-los como se segue:

  1. Precisamos manter a glória de Deus o cumprimento da Grande Comissão no coração do movimento. Defendemos o Evangelho, pois queremos promover o Evangelho. GAFCON foi lançada como uma missão de resgate para a Comunhão Anglicana, mas isso porque ela mesma, a Comunhão, deve ser uma missão de resgate. Especificamente, deve-se construir um pacto global que incentive o evangelismo e a plantação de igrejas. Precisamos uns dos outros, o Sul pode beneficiar-se da experiência do que estão resistindo no Norte, e compreender a dinâmica de uma cultura ocidental ‘secularizante’ que está se espalhando rapidamente em todo o mundo. O Norte também pode se beneficiar do entusiasmo e vigor missionários que caracteriza as Igrejas que crescem no Sul. Como uma Comunhão global, devemos estar na vanguarda do trabalho. Não podemos nos contentar que o Anglicanismo seja como um tipo de capelania para diminuir os enclaves daqueles que foram deixados para trás pela maré da História.
  2. Devemos considerar novos odres para a estrutura de nossa liderança mundial e não colocar impedimentos ao trabalho da evangelização. Quatro anos atrás a Declaração de Jerusalém falou do “manifesto fracasso” dos instrumentos de unidade da Comunhão Anglicana, e desde então tem estado claro que tais instrumentos falharam conosco. Líderes ortodoxos precisam fazer muito mais que ficar longe. Precisamos voltar aos princípios fundamentais e desenvolver novas estruturas, nos mantendo firmemente dentro da Comunhão Anglicana. Precisamos refletir como podemos construir sobre o modelo de liderança conciliar iniciado em Jerusalém 2008, quando da criação do Concelho de Primazes do GAFCON. Nossa comunhão amadureceu e chegou o momento que sua liderança deve se focar não em uma pessoa ou Igreja, mas em uma história consagrada, uma fé histórica que confessamos.
  3. Devemos resistir à tentação de sermos teologicamente preguiçosos. Nosso objetivo de uma Comunhão renovada não se sustenta se não estamos dispostos a apoiar os que são dotados para o estudo e o trabalho pesado da teologia, tão essencial para dar profundidade e alcance a nossa visão, tanto dentro quanto fora da Igreja. Precisamos recuperar o sonho dos reformadores anglicanos sobre o povo comum conhecendo as Escrituras e sendo alimentado pela doutrina bíblica. Também precisamos de líderes, ordenados ou leigos, capazes de defender firmemente a fé apostólica na praça pública do mundo. Se não o fizermos, as ideologias seculares que tem poderosamente moldado o cristianismo liberal e revisionista dentro da Comunhão, irá apertar o cerco. O Senhor nosso Deus não permitirá isso. Ele nos chama para seguir em frente.

O que o Senhor exige? Ele nos chamou para um grande propósito profético neste momento crítico na vida da nossa Comunhão. Depois de aproximadamente 450 anos, fica cada vez mais claro que aquilo que alguns chamam de “experiência anglicana” não termina em fracasso, mas está a beira de um novo e realmente global futuro, e que a visão original dos reformadores pode ser realizada como nunca antes. Não precisamos rejeitar ou menosprezar nossa história, mas devemos aprender com ela, e nos colocamos agora humildemente para caminhar com nosso Deus, rumo ao futuro e a esperança que Ele tem planejado para nós.

Gostaria de aproveitar esta oportunidade para terminar minhas observações convidando vocês e suas Igrejas para o GAFCON II, em maio de 2013.

Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, amém!

Traducido pelo Pr. Marcelo Lemos Comunidade Anglicana de São Paulo.